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O papel do Médico de Família e Comunidade no enfrentamento da COVID-19

Desde dezembro de 2019, o mundo foi surpreendido por um novo vírus – SARS-COV2 – e uma nova doença (Coronavirus Disease 2019 – COVID-19) que tem desafiado o nosso estilo de vida e, principalmente, a forma como a medicina trata de doenças e cuida das pessoas.


Numa busca rápida no Pubmed com o termo COVID-19 nos deparamos com o surpreendente número de mais de 20000 publicações em pouco mais de 5 meses. Isto demonstra a velocidade de produção de informações da nossa época, mas sem necessariamente gerar conhecimento e, mais difícil ainda, gerar sabedoria.


Sir William Osler já no século XIX nos alertava que a “Medicina é uma ciência de incerteza e uma arte de probabilidade”. Porém, estamos no século XXI e a medicina ainda não aprendeu a tolerar este grau de incerteza que é inerente aos processos simples da vida e tem, com isso, cada vez mais se afastado de sua essência de cuidado. Hipócrates, considerado o pai da medicina, quase 500 anos antes de Cristo, dizia que na medicina é necessário "Curar quando possível; aliviar quando necessário e consolar sempre".

É neste sentido que a Medicina de Família e Comunidade (MFC) tem um papel fundamental, principalmente por estar alicerçada em 2 princípios básicos, que, de início, podem até parecer contraditórios: a medicina baseada em evidência (MBE) e o método clínico centrado na pessoa (MCCP).


Esta aparente oposição entre estas ferramentas trata-se apenas de uma leitura superficial das mesmas. Não há como negar a produção de conhecimento diária e se guiar apenas pela tradição, experiência e empirismo, expondo os pacientes a práticas inadequadas. No entanto, este conhecimento produzido não está desconectado do seu tempo e nem imune as mudanças, e nem mesmo está isento da necessidade de fazer sentido na vida das pessoas. A prática clínica não consegue se resumir a uma prática objetiva e protocolar desconectada do encontro real entre o profissional de saúde e a pessoa que o procura.


Sir William Osler já no século XIX nos alertava que a “Medicina é uma ciência de incerteza e uma arte de probabilidade”

Portanto, neste sentido, se utilizando do acúmulo científico que já temos sobre a COVID-19, precisamos orientar bem as pessoas a cerca da doença e suas formas de contágio, alertando-as para a importância do isolamento social e ajudando na desconstrução de informações falsas. Mais que isso, é fundamental cuidar adequadamente dos casos mais leves, desaconselhando o uso de medicamentos que não tenham evidências científicas que comprovem o seu benefício, mas monitorando adequadamente estes casos para identificar precocemente casos graves que precisem de suporte hospitalar.


Tudo isso sem deixarmos de estar atentos, todo o tempo, às necessidades das pessoas que vão além do coronavírus, como o cuidado para outras doenças agudas ou crônicas, cuidado as gestantes, receitas de medicamentos e atestados, e principalmente seus medos e sofrimentos. Sim, é fundamental dedicar tempo para escutar as pessoas e ofertar, na ausência de comprimidos, palavras de conforto e cuidado.


É nesta caminhada por esta linha tênue entre objetividade científica e subjetividade relacional que a MFC vai tecendo sua história. A incerteza, diferente das especialidades focais, não nos paralisa! Muito pelo contrário, nos impulsiona para a essência do cuidado! E esta é a grande beleza que temos na MFC, pois um certo grau de incerteza vai sempre existir, pois a vida não cabe nos protocolos e normatizações. 


Não haver um tratamento medicamentoso com evidências de benefícios para o COVID-19 não pode limitar toda a potência do encontro com as pessoas que nos buscam. Portanto, enquanto não chegam melhores evidências para tratar a doença continuemos usando a essência do que nos faz MFC: o desejo genuíno e radical de cuidar do outro com tudo o que tiver de melhor disponível naquele momento.

 

Alexandre José de Melo Neto

Autor

Médico de Família e Comunidade


Alexandre Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba (2003) e Residência em Medicina de Família e Comunidade pelo Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre (2005-2007), além de especialização em Terapia Famíliar e de Casal pelo Instituto da Família de Porto Alegre (2007-2010). Concluiu o Mestrado Profissional em Saúde da Família (PROFSAÚDE) pela UFPB em 2019. Atualmente atua como Professor Assistente do Curso de Medicina no Departamento de Promoção da Saúde, do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, tendo ingressado na instituição desde 2011. Atua ainda como Professor Adjunto do Curso de Medicina da Unipê, com ingresso desde 2016. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Medicina de Família e Comunidade, com atuação por cerca de 10 anos em serviços de APS do sistema público e privado. Tem experiência ainda na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde da Família, Atenção à Saúde, Epidemiologia, Avaliação em Saúde e Educação em Saúde (Texto retirado do Currículo Lattes)

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